Na luta (e no carnaval) é que a gente se encontra
Escolas de samba homenageiam temas afro e grandes nomes da luta do povo negro por liberdade e igualdade
Se você curte acompanhar os desfiles das escolas de samba no Sambódromo e na Sapucaí, se prepara porque esse post está nada menos que lacrador!
Para te situar melhor nesse carnaval, reunimos aqui todos os sambas-enredo que trazem temas afro ou que homenageiam personalidades negras das escolas do grupo especial do Rio de Janeiro e São Paulo. O carnaval 2019 é preto, meu bem!
Partiu decorar as letras de luta, resistência e celebração e torcer pra sua escola favorita na avenida?
Mangueira
A Estação Primeira de Mangueira vai levar para a Sapucaí o samba-enredo intitulado “História para ninar gente grande”. Será uma homenagem a importantes heróis populares – negros, índios e pobres – da história do país, apagados da nossa memória coletiva e dos livros escolares.
Assim, nossos verdadeiros heróis finalmente terão nomes, já que a história oficial sempre recontou uma versão elitista, narrada pelos detentores de prestígio econômico, político e social. Uma das heroínas mencionadas no samba-enredo é a vereadora Marielle Franco, morta a tiros no dia 14 de março de 2018 no Rio de Janeiro.
No site oficial da agremiação, encontramos um belo manifesto: “Ao dizer que o Brasil foi descoberto e não dominado e saqueado; ao dar contorno heroico aos feitos que, na realidade, roubaram o protagonismo do povo brasileiro; ao selecionar heróis ‘dignos’ de serem eternizados em forma de estátuas; ao propagar o mito do povo pacífico, ensinando que as conquistas são fruto da concessão de uma ‘princesa’ e não do resultado de muitas lutas, conta-se uma história na qual as páginas escolhidas o ninam na infância para que, quando gente grande, você continue em sono profundo.”
Então bora transformar essa letra em inspiração para nossas lutas? Confira o samba-enredo na íntegra.
Brasil, meu nego, deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra.
Brasil, meu dengo, a Mangueira chegou
Com versos que o livro apagou
Desde 1500, tem mais invasão do que descobrimento.
Tem sangue retinto, pisado
Atrás do herói emoldurado.
Mulheres, tamoios, mulatos
Eu quero o país que não tá no retrato.
Brasil, o teu nome é Dandara
Tua cara é de Cariri
Não veio do céu nem das mãos de Isabel
A liberdade é um Dragão no mar de Aracati
Salve os caboclos de Julho
Quem foi de aço nos anos de chumbo
Brasil, chegou a vez de ouvir as Marias, Mahins, Marielles e Malês.
Mangueira, tira a poeira dos porões
Ô, abre alas
Pros seus heróis de barracões
Dos Brasis que se faz um país de Lecis, Jamelões.
São verde e rosa as multidões.
Salgueiro
A Salgueiro traz como tema para este carnaval o orixá Xangô, padroeiro da escola carioca. O samba-enredo assinado pelo carnavalesco Alex de Souza é uma reverência ao orixá que representa a Justiça. Alex já tinha trazido temáticas afro em seus trabalhos anteriores: em 2017, na Vila Isabel, falou sobre a música negra, e em 2018, na Salgueiro, exaltou as mulheres negras.
A letra também homenageia Júlio Expedito Machado Coelho, conhecido como o Xangô do Salgueiro. Em 1969, a agremiação ganhou o carnaval carioca com o enredo “Bahia de todos os deuses”, quando Júlio representou o orixá pela primeira vez, o que continuou fazendo até sua morte em 2007.
Aprenda a letra:
Vai trovejar!!!
Abram caminhos pro grande Obá
É força, é poder, o Aláàfin de Oyó
“Oba Ko so!” ao Rei Maior
É pedra quando a justiça pesa
O Alujá carrega a fúria do tambor
No vento a sedução (Oyá)
O verdadeiro amor (Oraiêiêô)
E no sacrifício de Obà (Oba xi Obà)
Lá vem Salgueiro!
Mora na pedreira, é a lei na terra
Vem de Aruanda pra vencer a guerra
Eis o justiceiro da Nação Nagô
Samba corre gira, gira pra Xangô
Rito sagrado, ariaxé
Na igreja ou no candomblé
A benção, meu Orixá!
É água pra benzer, fogueira pra queimar
Com seu oxê, “chama” pra purificar
Bahia, meus olhos ainda estão brilhando
Hoje marejados de saudade
Incorporados de felicidade
Fogo no gongá, salve o meu protetor
Canta pra saudar, Obanixé kaô
Machado desce e o terreiro treme
Ojuobá! Quem não deve não teme
Olori XANGÔ eieô
Olori XANGÔ eieô
Kabecilê, meu padroeiro
Traz a vitória pro meu Salgueiro!
Mancha Verde
O tema da Mancha Verde para este carnaval é “Oxalá, salve a princesa! A saga de uma guerreira negra”. O samba-enredo narra a história da princesa africana Aqualtune, avó de Zumbi dos Palmares, que foi brutalmente retirada do Congo e trazida para o Brasil escravizada. Chegando aqui, ela viu seu povo subjugado e injustiçado, e lutou não apenas pela sua liberdade, mas pela igualdade e liberdade dos seus, pelos direitos dos negros e das mulheres, e contra a intolerância religiosa.
A proposta do tema veio do presidente da Mancha Verde, Paulo Serdan, que contratou o carnavalesco Jorge Freitas para realizar o sonho de conquistar o Sambódromo com esse samba-enredo.
Aprenda a letra:
Ô oraieieô… oraieieô mamãe Oxum
Um ventre de luz, o fruto do amor
Kaô Kabecilê Xangô
África, suntuosa riqueza
África, reluz o encanto e a nobreza
A fé conduz o Congo a lutar
Tristeza marejou meu olhar
Oh Senhor, tem piedade
Dos corações sem liberdade
A alma que chora, a pele que sangra
Qual será o meu valor?
Entrego minha vida
Rainha do mar, Iemanjá
Aportou, na terra do sol e do maracatu
Vidas no suspiro derradeiro
Na fria solidão do cativeiro
Mãos calejadas a lavourar
Não perdi a fé nos orixás
Senhora do Rosário, oh Nossa Senhora
Aos pés do seu altar, clamo a igualdade
Palmares, vi um céu de luz e liberdade
A força de Zumbi a nos guiar
Nas bênçãos de Oxalá
Tambores vão ecoar, a festa vai começar
O meu batuque traz a força do terreiro
A Mancha Verde é Kizomba amor
Salve a princesa! Viva o povo negro!
Vai-Vai
O samba-enredo da Vai-Vai, “O quilombo do futuro”, faz uma viagem no tempo para contar as lutas, tradições e conquistas do povo negro ao longo dos anos. É através de fragmentos diversos dessa história que os carnavalescos Hernani Siqueira e Roberto Monteiros constroem uma poderosa homenagem aos quilombolas, passando por referências aos orixás africanos, revoltas populares, exploração colonial e importantes figuras históricas, como Mandela e Zumbi dos Palmares.
A filósofa Djamila Ribeiro e a advogada Valéria Santos, que foi algemada no ano passado em um fórum no Rio de Janeiro, estão entre as personalidades convidadas que vão desfilar na escola. “É um grito de resistência, de mostrar que a população negra avançou nos últimos anos e que a gente não pode aceitar cortes de políticas importantes. Então, ter um carnaval como esse da Vai-Vai é também para dizer que a gente vai continuar lutando e vai celebrar as conquistas”, disse a filósofa em entrevista ao Uol.
Além das convidadas, a Vai-Vai também prepara uma comissão de frente com artistas senegaleses, em referência aos movimentos de diáspora contemporâneos. E a intérprete Grazzi Brasil é a única mulher a comandar o microfone principal de uma escola de samba em São Paulo.
Aprenda a letra!
É que eu sou da pele preta
Quilombo do povo
Sou Vai-Vai
Um privilégio que não é pra qualquer um
Protegido e abençoado por Ogum
Axé, eu sou a negra alma do Bixiga
Herança que marcou a minha vida
Tem que respeitar minha raiz
O Orum vai desvendar toda verdade
Pra resgatar a nossa identidade
Das linhas que a história apagou
África negra, mãe da humanidade
Nas marcas de um passado tão presente
A luta que Mandela ensinou
É a força de lutar por nossa gente
Clamando a justiça de Xangô
Ô Inaê, Rainha do mar
Alodê, Iabá, Odoyá
Cuida de mim, mamãe, leva meu pranto
Em seus braços o meu acalanto
Ecoa o grito forte da senzala
Nos olhos brilha um novo amanhecer
Aruanda ê, Aruanda
Trago a força de Palmares
Pra vencer demanda
A liberdade é minha por direito
Não vamos tolerar o preconceito
Somos todos irmãos
E a luz da razão vai nos guiar
Sorrir, sim, nós podemos sonhar
Pois temos um futuro pela frente
Punhos cerrados a Saracura está presente
Colorado do Brás
A Colorado do Brás vai brincar com a música “Jambo Bwana” (em suaíli, língua falada pelos povos Bantus), do músico queniano Teddy Kalanda Harrison. Popularizada em 1983 pelo grupo Boney M., ela foi a responsável pela expressão “Hakuna Matata”, que significa “sem problemas”, “seja livre” e “seja feliz”, e tinha o objetivo de atrair turistas para o país recém-liberto de uma ditadura. Em 1994, a Disney lançou o filme Rei Leão, e a expressão ficou mundialmente famosa.
O tema foi desenvolvido pelo carnavalesco Leonardo Catta Preta, e o desfile vai falar sobre a libertação e a riqueza do povo queniano. Segundo o site oficial da agremiação, “O enredo vai homenagear a beleza, a cultura e a simplicidade da África exposta na canção e na expressão Hakuna Matata, que representa um marco da liberdade do povo africano, e mostrar que a felicidade está em cada um de nós.”
Aprenda a letra!
Isso é viver… Hakuna Matata
É lindo dizer… Hakuna Matata
Pulsa nosso povo apaixonado
Queniano é o tambor da Colorado
A corrente se quebrou…
O chão estremeceu…
Liberdade amanheceu
Em lindo raio avermelhado
A savana então brilhou… o atabaque acolheu
O canto da Colorado
Jambow… sinta a força que tem o Orixá
É amor, a magia da fé pelo ar…
Espíritos guerreiros, giram nos terreiros
Místicos em tradições e rituais
Que unem continentes, abrigam sua gente
África orgulha seus ancestrais
Ôôô um griot contou
A sombra do baobá
Num toque a lua iluminou
E a teia formou o ventre de tudo que há
No mar… e rios de encantos
Hei de encontrar cavalos marinhos
Entre os cristais navegam meus sonhos
Iemanjá abrindo os caminhos
Um paraíso floresceu
Pássaros cruzaram o céu
A natureza se curvou ao rei
Não há problemas se aprender assim eu sei…
Canção é sentimento…
Alegria que o povo ecoou
Sua alma… seu destino… sua cor…
Acadêmicos do Tatuapé
Campeã dos dois últimos carnavais paulistanos, a Acadêmicos do Tatuapé vai trazer em seu enredo uma homenagem a vários guerreiros que fizeram história no mundo: São Jorge (relacionado a Ogum, orixá da guerra, no sincretismo religioso), Zumbi dos Palmares, Martin Luther King e Nelson Mandela são alguns dos heróis mencionados. Um momento do desfile será reservado para exaltar a força dos guerreiros africanos, que lutaram bravamente contra a escravidão e libertação do seu povo.
O samba-enredo também homenageia os guerreiros do cotidiano e os guerreiros do samba, encerrando com uma celebração aos guerreiros da própria escola.
Aprenda a letra!
Eu andarei
Protegido com as armas de Jorge
No altar do samba
sob o clarão do luar… ô luar
Coragem pra cumprir minha missão
Em nome da fé acreditar
Na força que emana da alma do povo…
Lutando se escreve a história
Honra… Batalhas e glórias
Axé meus Orixás… herança dos ancestrais
Bade iá babá…Okân Araloko
Bade iá babá…Um canto de amor
Ogubhê…Obá Sirê…Oyá
Oke arô…Kaô kaô
Do céu a mensagem de paz
Diz que o sonho não tem fronteiras
É amar e amar sem pensar
Fazer o bem a cada manhã
Um mundo melhor pra se viver
E não perder a fé (sabe porquê?)
Sou brasileiro…
Vou defender minha nação
Oh Pátria amada idolatrada não chores em vão
Sou brasileiro…
Sou sambista sim senhor… ôôôô
De tantos carnavais …
Bambas imortais … Respeite por favor
Tá no corpo e na alma… Corre na veia
Sangue azul e branco que me faz delirar
Tatuapé …A escola da emoção
Bravos guerreiros num só coração
Acadêmicos do Tucuruvi
A Acadêmicos do Tucuruvi vai falar de liberdade neste carnaval. O enredo do carnavalesco Dione Leite narra a luta pela liberdade ao longo de toda a história do Brasil.
Leite afirma, na sinopse disponível no site oficial da agremiação: “Somos a força do índio guerreiro, o lamento sufocante dos navios negreiros o grito e a força resiliente dos quilombos, somos a luta dos inconfidentes na busca incessante pela liberdade. Somos a resistência de um povo aguerrido, que por nada desiste, somos o canto da alma e da dor. Somos aqueles que empunharam armas, ferramentas cortantes nas lutas por igualdade, direitos sociais, em que, entre guerra e paz, paz e guerra construíram a confiança e esperança de um amanhã melhor.”
Aprenda a letra!
Senhor, escutai a nossa voz!
A prece que vem do coração
Eu sei que as feridas vão secar
No dia da libertação
No seio da mata surgiu um grito de guerra
Na luta contra a força do invasor
O nosso chão sangrou
Já fui lamento no balanço do tumbeiro
E subo o morro feito um nobre partideiro
ôôô… sou resistência na dor!
Quando o sol vai brilhar, meu Deus?
Reluzindo liberdade
Pra tirar do papel, o sonho
De viver com dignidade
Vem me dê a mão
Preciso de você… que tanto prometeu
Por que se esqueceu dos seus ideais?
Somos todos iguais!
Caminhando contra o vento, eu vou…
Pra quebrar as correntes
Quem sabe faz a hora, não espera acontecer
Apesar de você…
Vamos romper as barreiras
Erguer as bandeiras, por mais união
Oh! Meu Brasil!
A liberdade emana do amor
Meu direito à igualdade não representa favor!
Tucuruvi espalha um canto pelo ar
Vai ecoar, vai ecoar
Meu brado é forte, quero mudança
Avante filhos da esperança!
Confira a agenda de desfiles:
São Paulo
1º de março, sexta-feira
23h15 – Colorado do Brás
1h25 – Mancha Verde
2h30 – Acadêmicos do Tucuruvi
3h35 – Acadêmicos do Tatuapé
2 de março, sábado
1h45 – Vai-Vai
Rio de Janeiro
3 de março, domingo
0h30 – Salgueiro
4 de março, segunda
2h40 – Mangueira
Confira nossas acomodações nas cidades!
São Paulo: https://bit.ly/2Rz4VMc
Rio de Janeiro: https://bit.ly/2DcYkhv